segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Saudade

"A saudade é como um barco, 
 que aos poucos descreve um arco
 e evita atracar no cais"

Pedaço de mim, Chico Buarque

Se tem algo que realmente atrapalha essa história de se sentir em casa é a tal da saudade. Pois é, saudade é um negócio esquisito... Surge não se sabe de onde, sem aviso, e, se você deixar, toma conta do mundo!

Ela me pegou numa madrugada dessas, ainda no meio do inverno, dum jeito que eu nunca havia imaginado antes. Mas antes de dizer como foi, deixa eu contar aos que moram perto da linha do Equador que aqui, no inverno, o dia começa a clarear depois das 7 da manhã! Faz um frio danado (pelo menos para mim, que venho de Recife, no nordeste do Brasil) e a maioria das casas tem carpete cobrindo o chão.

Bom, nessa noite em que a saudade me mostrou sua cara medonha, Caio encontrou o caminho para nosso quarto pela primeira vez. Até então ele e Martim estavam dormindo bem bonitinhos nas caminhas novas deles. Até quando "acamparam" nos sofás da sala, logo depois da mudança, dormiram a noite inteira por lá!

Mas nessa madrugada Caio apareceu sem aviso, procurando um lugarzinho sob nosso lençol e ligando o interruptor da minha memória afetiva... É que no Brasil ele costumava fazer isso, costumava aparecer na nossa cama no meio da noite. Os quartos eram próximos e depois que tiramos a grade do berço do menino, quase toda noite lá vinha ele, arrastando o travesseiro, deitar conosco. 

Não sei bem porque, mas a imagem dele chegando nesse novo quarto, nesse outro país, foi o suficiente - a saudade me tomou por completo. Forte, profunda, inexorável. 

Nosso quarto no Brasil tinha um janelão imenso, de parede a parede, em frente à cama. Às 5 da manhã já estava cheio de luz (e eu a-do-ro acordar com o sol). O piso era de madeira. Quando o menino chegava, calorento que era, não queria se cobrir - queria deitar no meio da cama, mas sem se cobrir. Empurrava o lençol para baixo com os pés, descobrindo a mim e a Roger. Como eu tenho mania de dormir coberta, a gente passava alguns minutos num puxa-empurra de lençois até encontrar uma posição confortável para todos novamente...

Agora, como explicar uma saudade tão avassaladora disso, dessa cena, dessas sensações?! Nessa madrugada foi a primeira vez em que não me senti "em casa" aqui na Nova Zelândia. Na verdade, senti-me um peixe fora d'água, sufocado de saudade. Minha casa é aquela, que acorda cheia de luz, com o chão de madeira, onde o menino chega de mansinho, de um quarto bem pertinho, e empurra o lençol com os pés...

O QUE EU ESTOU FAZENDO AQUI?!?

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Em casa – com um abraço da Harbour Bridge

Tem pessoas que nos deixam completamente a vontade, não é? Bom, espero que você tenha a sorte de conhecer muitas pessoas assim... Sabe aquelas pessoas com as quais você curte estar, com as quais você se sente em sintonia? Às vezes, nem é preciso falar nada, a simples presença delas já basta para provocar uma sensação agradável, calorosa como o sol de final de tarde...

É, eu sei, para se sentir assim com alguém em geral leva algum tempo – é preciso antes conhecer, adquirir confiança, familiarizar-se. É preciso gostar do jeito dela, afinar-se com o seu ritmo, entrar em uma espécie de equilíbrio com aquela pessoa.

Bom, acho que isso acontece com as cidades também. As cidades têm personalidades próprias, têm um ritmo, uma aura. E, se você se integra com elas, estar ali é estar em casa.

Eu tinha uma relação assim com minha cidade natal, Recife. Adorava a vista do mar, amava os rios e as pontes! Ganhava o dia quando podia ir de Boa Viagem para a Av. Agamenon Magalhães pela beira-mar e seguia pela Ponte José de Barros Lima, abria o vidro do carro e escutava o sussurro dos pilares da ponte ao passar!

Depois Recife cresceu demais e eu perdi um pouco dessa ligação fraternal com ela... Mas Roger e eu encontramos Aldeia e após um tempinho morando lá, subir a PE-027 (Estrada de Aldeia) era como abrir o portão de casa...

Por isso admiro as pessoas que se dispõem a mudar para uma cidade sem nunca ter ido lá antes – recebem uma proposta de trabalho pela internet, arrumam as malas e vão. Acho que eu nunca teria coragem! Sou do tipo que precisa ver, ouvir, sentir o cheiro do lugar. Saber que será possível entrar em sintonia com a cidade. Pois existem lugares com os quais é fácil fazer isso e outros que exigem um pouco mais de trabalho, tempo, dedicação. E existem ainda aqueles nos quais eu não gostaria de morar de jeito nenhum!

Auckland? Bem, era um lugar neutro para mim... Por isso o seu abraço caloroso me supreendeu! Lembro um dia que andava meio chateada sei lá com quê e passamos pela ponte Harbour... Aquela vista foi como um colo amigo – do outro lado da ponte eu já me sentia um pouco melhor!  :-)

Mas confesso que a cidade, e toda a afinidade que podemos ou não ter com ela, é só um lado da moeda. O outro lado são as pessoas que nos acompanham ou que conhecemos por lá. Como diz uma querida amiga (que preferiu escrever por email!), “a nossa casa é onde estão as pessoas que a gente mais ama”. E eu tenho a sorte de trazer parte considerável da minha casa comigo...

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Enquanto isso, na escola dos meninos...

...Começou a Book Festival Week - uma semana para expor os trabalhos literários das crianças e estimular o gosto pela leitura!


Pena que não posso revelar os detalhes dos trabalhos nas fotos, porque eles tem uma política de não divulgação de qualquer informação relacionada às crianças na internet...

Mas abaixo de cada desenho/colagem tem uma pequena história feita por cada criança. Algumas escrevem bem mesmo e havia ilustrações interessantíssimas!








Bom, as histórias das outras crianças eu não posso mostrar, mas as dos meus filhos eu posso, né?

Olhem a de Martim!
E podem me chamar de mãe coruja, que eu sou mesmo!  :-)






Até a turminha de Caio (Room 0), que iniciou inteirinha há 15 dias atrás, também preparou umas historinhas!


Mas o melhor mesmo eram os auto-retratos!  :-)

Durante esta semana eles vão receber a visita de autores e ilustradores e na sexta-feira todo mundo vai fantasiado como um personagem de livro. Adivinha que fantasia os meninos querem usar?

Hoje era o dia dos familiares irem ler histórias nas turmas de seus filhos. Histórias que as crianças gostam, contos queridos, contos da sua terra natal... Bem, os nossos são em português, né? A professora de Martim me falou que eu poderia ler em português sim, que não tinha problema nenhum, que Martim e um outro brasileirinho que faz parte da turma dele iriam gostar e eu... Fui!



Só que eu li muito pouco porque Martim acabou lendo quase toda a história! E eu lá, de queixo caído, porque ele continua lendo em português. E lendo até melhor do que lia quando a gente saiu do Brasil! Como?! Sei não, só sei que foi assim... :-)

Também li umas historinhas na turma de Caio, mas lá eu fui lendo em português e traduzindo para o inglês. Engraçado era Caio me ajudando a traduzir! A professora dele filmou uma das historinhas e ficou de me passar uma cópia do vídeo - se nele não aparecer mais nenhuma criança além de Caio eu o compartilho com vocês também.

Curioso é que as coleguinhas de Caio estavam realmente interessadas em ouvir  uma história em português! Acho que nossa lingua soa bem, é doce de ouvir... Parece que a turminha de Caio também pensa assim!  :-)

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Nosso leite, nosso queijo, nossa casa!

Então, foi com muita alegria que percebi, logo na nossa primeira manhã aqui na Nova Zelândia, que eu me sentia em casa!!! E olha que a gente nem estava na nossa casa definitiva, estávamos na casa de Maree, em Blockhouse Bay, que alugamos por apenas 1 mês.

Tá, tudo bem. Quem acompanhou as últimas semanas da gente no Brasil bem que pode estar pensando “Depois daquele caos que antecedeu a mudança, você iria se sentir em casa em qualquer lugar”. É, provavelmente iria mesmo! Ainda mais considerando que antes de mudar fiquei mais de 1 mês  na casa da minha mãe, para me recuperar de uma pequena cirurgia (estada ma-ra-vi-lho-sa, mãe! Huummm... Que saudade das noites regadas a sorvete e Dr House) e depois caí quase que direto na operação “desmonte-o-seu-lar”. Uuui! As duas últimas semanas antes da viagem foram fogo! Quando eu me recuperar psicologicamente daquele inferno, prometo que conto para vocês. Por hora, basta dizer que ainda estávamos em casa, mas a cada dia ela se parecia mais com um acampamento de guerra e menos com o nosso lar!  :-)

Na véspera da viagem dormimos no apê de Dona Nininha, minha sogra. Depois dormimos no avião, num hotel no Chile, no avião de novo... Bom, desse jeito, qualquer lugar minimamente organizado onde fôssemos passar mais de uma semana já seria um bom candidato a lar, né?

Mas, circunstâncias a parte, o que aconteceu é que eu de fato me senti em casa logo na primeira manhã (ou noite – na verdade, não lembro bem que horas eram) após a nossa chegada.  Foi mais ou menos assim que aconteceu...

Acordei completamente grogue, sem saber direito onde estava e com hipoglicemia – mais uma. :-(  É difícil gerenciar as grandes diferenças de fuso horário, quando você é um diabético insulino-dependente como eu...

Roger me falou para comer alguma coisa e eu obedeci, meio no automático, tentando descobrir onde estava e o que estava fazendo ali. Não sei bem porque, eu achei que ainda estávamos em trânsito, talvez em algum outro hotel no meio do caminho... Fui comendo e, devagarinho, a ficha foi caindo, as peças foram se encaixando... E então eu reparei em um queijo que estava sobre a mesa. Um queijo ralado, tipo Edam, cujo pacote falava algo sobre ele ser feito com o nosso puro leite neo-zelandês. Nosso leite, nosso queijo, nossa... Casa! Nossa casa! Uau! A sensação me varreu por inteiro e até hoje lembro quão reconfortante ela era! Estávamos em casa.


quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Sentir-se em casa

Para começar, deixa eu dizer a vocês o que mais me assusta nesta história toda, o que sempre me assustou, desde que começamos a pensar em morar fora do Brasil por um tempo...

Tenho um amigo querido que mora nos EUA, migrou a muitos anos atrás, e certa vez perguntei a ele como era morar no exterior. Sua resposta me surpreendeu. Ele me contou que o mais duro de morar no exterior era que ele nunca mais havia se sentido "em casa". É que segundo ele, lá não era a sua casa, o seu lar. Ele tinha uma boa casa, bom trabalho, a família estava bem adaptada, mas acho que ele acreditava que lá nunca seria a sua casa. E, quando ele voltava para o Brasil, de férias, estava sempre na casa de sua mãe, que, evidentemente, também não era mais a sua casa. Resultado: ele nunca mais se sentira completamente em casa em lugar nenhum!

É claro, ele me contou muitas outras coisas também, lembro-me vagamente de algo sobre o seu trabalho e o de sua esposa, que eram muito estimulantes, mas o fato é que essa questão de sentir-se em casa eu nunca esqueci. Já viajei muito, sempre gostei de viajar e sempre achei que preciso viajar mais e mais (é uma sede de beber o mundo que não acaba nunca!     :-)). Mas sempre gostei de voltar para casa. Quando viajava de férias, mesmo que para longe, gostava de programar a volta para as 6as feiras, só para ter um final de semana em CASA antes de voltar à rotina. A idéia de não ter mais "casa", não ter mais essa referência, sempre me assustou. É como não ter raízes, e sem raízes... Quem é você?

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Pra início de conversa

Quando viemos aqui em setembro do ano passado, para nosso "test drive" da Nova Zelândia, minha irmã Ana reclamou pra caramba da falta de notícias. Eu costumava mandar um email toda semana contando as novidades, falando das nossas sensações e descobertas por aqui e era um graaaandee email, mas aparentemente não era suficiente...

No aeroporto, do dia de nossa mudança para cá, ela me fez instalar o Viber no celular. Parece que estava adivinhando, porque desta vez eu passei quase 6 meses sem escrever praticamente nada! Claro, houve muitas frases curtas pelo zapzap (WhatsApp), video-chamadas pelo Skype e um monte de ligações pelo Viber (acostumar com a diferença de fuso é que foi fogo! Ela me acordava de madrugada, toda animadinha, para perguntar o que estava rolando... Minha vontade era responder "frio, sono e dor de cabeça", mas tudo bem... Afinal, distraída, eu também liguei para ela uma ou duas vezes no final do dia aqui, ou seja, umas 2 da matina no Brasil). Mas o que aconteceu é que esses aplicativos todos (Viber, Skype, WhatsApp, Hangouts) acabaram me dando uma sensação "de contato" e aquela conversa mole contando sobre nosso dia-a-dia por aqui foi ficando sempre para depois...

  • Depois da gente se recuperar da viagem (e da última semana de completo caos antes da mudança!)...
  • Depois de organizar os pertences das 12 malas que trouxemos (é, bem que eu queria ter sido mais esperta na hora de arrumar essas malas!) na holiday house (casa para aluguéis de curto prazo) que alugamos por 1 mês...
  • Depois de conseguir alugar uma casa por longo prazo e adquirir o básico para viver nela (incluindo pratos, copos, lençois, toalhas)...
  • Depois de comprar um carro...
  • Depois de por os garotos na escola e kindergarten (jardim de infância, para as crianças com menos de 5 anos)...
  • Depois de conseguir transferir nosso dinheiro do Brasil para cá (e pense numa bronca que tivemos com isso!)...
  • Depois de mudar novamente (para a casa com aluguel de longo prazo)...
  • Depois de arrumar um emprego (mérito todo de Roger, fantástico esse cara! ;-) Que sorte eu tenho, né?)...
  • Depois de se adaptar à nova cultura e acostumar os ouvidos com o inglês (pelo menos o suficiente para entender o GPS!)...
  • Depois de se preparar melhor para o inverno...
  • Depois de aprender a dirigir novamente (na mão inglesa)...
  • Depois de cultivar novas amizades...

É mais ou menos como se a gente compactasse em alguns meses todas as atividades importantes que fizemos ao longo de vários anos no Brasil... Enfim, uma loucura, pode acreditar!

Só agora, quase 6 meses depois da nossa mudança e com a entrada de Caio na escola (na qual ele passa quase o dobro do tempo que passava no kindergarten), é que comecei a respirar mais aliviada e finalmente fiz algo que queria fazer a muito, muito tempo... Começar esse blog!   :-)

A idéia aqui é retomar a conversa-mole, o papo de final de tarde, e ir compartilhando nossas aventuras, sensações, sentimentos e aprendizados. Espero que vocês gostem! E que comentem, perguntem, interajam, sugiram... Que estejam presentes conosco aqui também!